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PARTILHAS ENTRE MULHERES

16 set. 2018

Boca de Loba (2018), de Barbara Cabeça

Torre das Donzelas (2018), de Susanna Lira

Por Camila Vieira

Enquanto olha para os lados, uma mulher faz um pixo em uma rua deserta à noite. Três mulheres entram sorrateiramente em uma boca de esgoto. A passagem por um túnel irá desembocar em um lugar subterrâneo de convivência entre mulheres com diferentes corpos – brancas, negras, andróginas, magras, gordas. Com uma encenação em que o artifício perpassa a performance, a iluminação, os figurinos e os cenários, o curta-metragem cearense Boca de Loba (2018), de Barbara Cabeça, busca uma dramaturgia fabular para transfigurar o real e expressar algo em torno da mulher.

A narrativa trata de uma velha que vive em um lugar oculto, que todos sabem, mas poucos já viram. A inspiração vem do livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola. A velha é a alegoria de qualquer mulher, que já foi vítima de violência, que passou pelo desconforto de ser assediada (como indica uma das cenas), que sentiu medo de andar sozinha na rua. A voz off parece elucidar algumas histórias: “Dizem que está enterrada na periferia perto de um poço. Dizem que foi vista viajando para o Sul com o carro incendiado e a janela arrancada. Dizem que fica parada na estrada pegando carona aleatoriamente com caminhoneiros”. Pelas esquinas vazias de Fortaleza, mulheres em gangue são cúmplices em um modo de sentir e ocupar a cidade. Elas invocarão a selvageria do lobo como estratégia de insurgência, de disputar território e de permanecer em coletividade.

A resistência de um grupo de mulheres também é a inspiração de Torre das Donzelas (2018), de Susanna Lira. O documentário mergulha nas histórias individuais e coletivas de mulheres que ficaram presas durante a ditadura militar, no conjunto de celas femininas chamado de “torre das donzelas” do presídio Tiradentes, em São Paulo. Para encontrar um espaço possível onde as mulheres pudessem romper com o silêncio e narrar suas memórias de convívio na prisão, o filme recria o espaço do cárcere a partir de desenhos e relatos de cada uma das mulheres que ali permaneceram presas.

Diferente da proposta estética de Boca de Loba que assume uma estrutura cênica antinaturalista para tangenciar temas como assédio e solidariedade entre mulheres, Torre das Donzelas abraça um modelo mais tradicional de documentário por ser calcado nos relatos das ex-companheiras de cela. Algumas delas compartilham suas lembranças em encontro coletivo dentro do próprio espaço cênico recriado para o filme, enquanto outras dão depoimentos isolados em formato talking head, como é o caso da ex-presidenta Dilma Rousseff.

O formato de filme-testemunho de Torre das Donzelas encontra paralelos com Que Bom Te Ver Viva (1989), de Lucia Murat, que também é focado nos relatos de mulheres ex-presas políticas durante o regime militar brasileiro. No entanto, o longa de Susanna Lira direciona o olhar para o passado das mulheres dentro da prisão para entender suas formas de convivência e de resistência em um espaço de confinamento, de tortura e de degradação humana.

A força de Torre das Donzelas situa-se no discurso das mulheres, em especial nos momentos em que elas relatam as estratégias de sobrevivência para administrar o tempo e o espaço da prisão, como explica a própria Dilma. A reorganização e a limpeza da cela, o ato de cozinhar para as demais companheiras, as leituras permanentes eram atividades que contribuíram para a integração coletiva das mulheres em cárcere. Os vínculos emocionais entre as personagens emergem no encontro com a espacialidade da cela recriada.


Ao misturar as cenas de encontro presencial entre as mulheres com o talking head e a reencenação com atrizes, o filme parece perder o fôlego por tentar unificar formas de mise-en-scène radicalmente distintas no lugar de singularizar tais diferenças. A padronização recai na montagem, que busca a equivalência entre diversos registros com uma trilha musical onipresente que apenas reforça a atmosfera de psicodrama que o filme já anuncia desde o início.

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