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ENCONTRO COM O REAL

19 set. 2018

Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados (2018), de Aiano Bemfica, Camila Bastos, Cristiano Araújo e Pedro Maia de Brito

Bloqueio (2018), de Quentin Delaroche e Victória Álvares

Por Camila Vieira

Como afirma Jean-Louis Comolli, o cinema é um encontro entre máquinas e corpos. Dentro do documentário, existem realizadores que se esforçam em reduzir a distância entre a câmera e aqueles que são filmados. Se a câmera se configura como um dispositivo de ordenação do olhar, como é possível burlar seu poder para estar sob o risco do real? O curta-metragem Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados (2018), de Aiano Bemfica, Camila Bastos, Cristiano Araújo e Pedro Maia de Brito, propõe uma igualdade entre quem filma e quem é filmado. A câmera procura seguir o movimento dos próprios personagens do filme, sem uma observação prévia ou qualquer ajuste que poderia intervir ou alterar o próprio espaço das pessoas filmadas.

  

Filmar uma ocupação desestabiliza a centralização do olhar da câmera. O curta acompanha três ocupações em tempos distintos: a Manoel Aleixo, em 2017, a Temer Jamais, em 2016, e a Paulo Freire, em 2015. As filmagens são noturnas. Um plano segue algumas pessoas mata adentro em uma caminhada silenciosa. Outro acompanha um homem sair de um ônibus e encontrar um caminhão onde estão sendo descarregados tacos de madeira para serem montados nos acampamentos. Alguns armam as barcas, outros usam foice para abrir o caminho. As intervenções na cena cabem aos próprios personagens e as filmagens são realizadas durante os momentos em que eles ocupam os territórios filmados.


Envolvidos com o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), os realizadores do curta reconhecem a importância que é manter zonas de equilíbrio entre quem filma e quem é filmado. Se um ocupante precisa caminhar em silêncio, agachar quando algum carro passa, se esconder em meio à vegetação, é necessário que a câmera também se coloque neste lugar. Não importa mais manter o foco ou a estabilidade do plano. A câmera sempre se manterá à espreita na medida em que os personagens também estejam. Se quem está sendo filmado se abaixa, a câmera também fará o mesmo. Em Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados (2018), a relação contígua de movimentos borra a fronteira entre o cinema e a vida.

Já no longa-metragem Bloqueio (2018), de Quentin Delaroche e Victória Álvares, o enquadramento parece ser bem mais controlado diante de quem a câmera filma: os caminhoneiros que participaram da greve de maio de 2018, que paralisou o país. O primeiro plano é filmado na posição do olhar de alguém que se encontra no banco de passageiro de um carro que segue uma estrada até chegar ao posto de gasolina onde os caminhões encontram-se parados. É o olhar de quem se encontra fora dos acontecimentos, de quem deseja se aproximar para observar e entender o caos que está se produzindo.

Por se manter em posição de distanciamento, a câmera de Bloqueio é bem mais passível de ser usada como ferramenta a serviço da ideologia de quem está sendo filmado. Os caminhoneiros falam de frente para a câmera e reproduzem palavras de ordem: “O Brasil é nosso!”. Quem olha para a câmera não tem ingenuidade alguma. Os caminhoneiros enxergam a câmera como um aparato de poder, como meio para repercutir seus ideais.

Enquanto reivindicam melhores condições de trabalho e fazem duras críticas ao governo Michel Temer, os grevistas vociferam que não há saída alguma diante da política institucional, generalizada como corrupta pelos caminhoneiros. Muitos deles manifestam abertamente a defesa da intervenção militar como estratégia para salvar o país da corrupção. O uso de bandeiras e faixas em verde e amarelo, o canto do hino nacional, os gritos por ordem e progresso se acumulam de uma cena a outra, sem haver um olhar crítico mais incisivo sobre o que é mostrado.

Algumas contradições são dadas a ver. A confiança no exército é desestabilizada quando os militares cercam os caminhões e questionam o motivo da paralisação. Um dos caminhoneiros argumenta ser contra o armamento. No entanto, o embate entre uma professora e um caminhoneiro não produz grande fissura no conjunto discursivo do filme. A cena é expositiva da atmosfera de polarização na qual o país vive.

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