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Estudo de Persistência (2014), de Krefer
Action Painting n.1 / n.2 (2014), de Krefer e Turca

28 jan. 2015

Por Camila Vieira

DAR A VER UM CORPO

Em tempos de pornificação dos corpos e do excesso de estímulos, deve ainda existir um modo de reconsiderar o nu hipererotizado sem cair nas armadilhas do moralismo. No flerte do cinema com a pornografia, é um gesto transformador inventar imagens que ultrapassam o peso do obsceno e potencializam formas de vida. Os curtas Estudo de Persistênciae Action Painting n.1/ n.2 são tomados por uma vontade de reposicionar o olhar para o prazer sexual, desvinculando-se de uma valoração negativa de senso comum. As imagens sem som e em formato vertical colocam em primeiro plano uma atenção para a materialidade dos corpos e o modo como eles são dados a ver.


Estudo de Persistência é um conjunto de fotografias amadoras, selecionadas da internet, que colocam em cena corpos em diferentes posições sexuais explícitas. São autorretratos feitos diante de um espelho por anônimos, de quem não é possível identificar os rostos. Evidenciado pelo brilho do disparo do flash, o dispositivo fotográfico está ali presente em cada uma das imagens.


Podemos dizer que este curta é irmão de Flash Happy Society, de Guto Parente, no sentido de enfatizar o disparo do flash como acionador de uma atmosfera capaz de se aproximar de um comportamento comum à dinâmica social de nossos tempos. No entanto, o curta de Krefer se serve do caráter instantâneo do ato fotográfico para produzir outro efeito: deslocar o tempo de exposição das imagens, produzindo uma alteração na experiência visível dos corpos. 


Na duração do filme, os autorretratos são rapidamente substituídos uns pelos outros, como lampejos em estado de sobrevôo, que se ativam pela luz intermitente dos flashs das câmeras. Se a visibilidade dos corpos é comprometida pelo instantâneo da exposição, há outra forma de persistência que acontece no intervalo entre as imagens e desfaz o tratamento banal das práticas sexuais ali encenadas.


Em Action Painting n.1 / n.2, a persistência não está mais no intervalo, mas na presença ativa dos corpos e suas relações com o prazer. É um díptico que se sustenta pelo visível, pela superfície dos corpos, ainda que os órgãos genitais estejam fora de campo. Incorporando a monumentalidade do torso, as costas do corpo masculino e do corpo feminino estão expostas e entregues a uma troca, em que o prazer está vinculado a uma escritura pictórica.


A pele é o lugar de interferência, de contágio. Na primeira parte, o ato de arranhar produz marcas no corpo masculino, configurando linhas, relevos e desenhos, intensificados pelo sangue. Na segunda parte, esparramar cera quente de vela colorida no corpo feminino conduz à tensão entre a delicadeza e a visceralidade na construção de uma pintura abstrata. Nos dois casos, a relação entre prazer e dor está associada à criação, que se instaura menos como ação individual, mas como gesto mútuo. 



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