Rincón de Darwin (2013), de Diego Fernández Pujol
10 set. 2013
Por Érico Araújo Lima
PERSPECTIVA DE DESCOBERTA
O que Darwin encontrou mesmo nesse canto? Dúvida que se repete a todo instante, trazida sempre na fala de algum dos três personagens de Rincón de Darwin (Uruguai, 2013). A teoria da evolução das espécies vai e volta como questão. Uma voz off em inglês remete ao naturalista britânico, nas suas formulações sobre os processos de adaptação, seleção natural e mesmo na exposição dos percursos de pesquisa. A voz paira sobre as paisagens que vão se sucedendo, o motivo parece dar uma cadência nas buscas do próprio realizador Diego Fernández Pujol. Talvez uma questão seja em que medida esse fantasma de Darwin percorre a obra como metáfora que tenta indicar significados para o que se passa no âmbito da narrativa. Parece haver um conflito aí, um jogo de indecidibilidade. Entre algo mais marcado de reiteração, o que me parece ficar bem claro nas frases que o diretor traz do biólogo na sequência final, e uma postura mais desviante, errante pelo espaço, como num momento em que a câmera se desloca de um centro discursivo, marcadamente a caminhonete como lugar dos personagens, para uma paisagem à beira da estrada. O carro passa adiante, e o filme por um breve momento parece abandoná-lo para se deter em formas que chamam a atenção.
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Uma perspectiva de descoberta, bem cara a certa linha de road movies, parece ser importante ao realizador. Descobrir aproximações entre os personagens, repensar a vida, aprender com a viagem e com as experiências que cada um teve. Os personagens têm um passado, vão revelando elementos sobre si, como se o filme se colocasse na posição de fazer vir à tona subjetividades que estariam numa imaginada profundidade. A superfície tem pouco espaço aqui.
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E como filmar a estrada que se abre? Uma câmera colocada na frente do carro vai tremendo e acompanhando o movimento. Reverberação da imagem, incerteza do caminho. A viagem tem atrasos, porque não pode ser segura de si. Há imponderável. Embora os imprevisíveis sejam, em alguma medida, lances narrativos um tanto gastos, sobretudo ligados a falhas mecânicas do meio de transporte, parece haver um reconhecimento de que dirigir implica riscos: podem surgir surpresas, desvios, quedas e subidas. Dirigir um carro e dirigir um filme.
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Cabe pensar como lidar com o road movie como um problema cinematográfico. Um problema no sentido daquilo que demanda aos que realizam a obra a investigação de formas fílmicas para viajar, percorrer, fluir no espaço e no tempo. Como filmar o carro que conduz os corpos? De que modo se instalar entre os que seguem o percurso? Como olhar para dentro, como olhar para fora? O filme de Diego Fernández tem uma aposta em planos que procuram enquadrar o conjunto dos que estão no interior da caminhonete. Beto, Gastón e Américo estão no quadro juntos, a maior parte do tempo, muitas vezes em silêncio, outras vezes trocando experiências pessoais. Eles são vistos numa perspectiva lateral, ora com a câmera mais próxima de Américo, colocado num extremo, ora com a imagem partindo de Beto, que está na direção, do outro lado. Num momento, o diretor parte para um plano frontal do rosto de Gastón, que recebe uma ligação da ex-namorada. Há tentativa de constituir uma mise-en-scène que pensa como estar entre os corpos que viajam. Estar nesse lugar, constituir a caminhonete como um espaço fílmico e como espaço de cena. A variação fílmica é marcada por aproximação e distanciamento, uma câmera que oscila entre deixar ações já roteirizadas se desenrolarem e uma câmera que, ainda timidamente, quer estar mais próxima, perceber o rosto, acompanhar os olhares.
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E a adaptação, de novo. Seria preciso tensionar com o filme, tomando uma outra perspectiva, é verdade. Adaptar-se às condições que a vida nos apresenta pode ser uma maneira de acreditar no mundo como dado, como aquilo que surge independente dos sujeitos. Se só resta adaptar, quais as possibilidades de intervir e de produzir?