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Sem raiz (2017), de Renan Rovida

30 jan. 2017

Por Camila Vieira

CIDADE X CAMPO

A estrutura narrativa de Sem Raiz, de Renan Rovida, é dividida em quatro pequenas histórias – separadas por subtítulos (Sem Emprego, Sem Lucro, Sem Propriedade e Sin Comunidad) –, que colocam em cena mulheres protagonistas, dentro do espaço urbano. Intercalada a estes segmentos, uma quinta história se estabelece, a partir do cotidiano de uma mulher do campo, que vive em um assentamento rural. O ponto de partida da dramaturgia do filme é estabelecer uma conexão entre o cotidiano destas mulheres e as questões relativas ao trabalho.


O que impressiona na mise-en-scène de Sem Raiz é a forma como as atrizes conseguem adensar as nuances das personagens, durante longas sequências que exigem jogo de cena entre o controle e o improviso. Cada um dos segmentos aponta para situações que enfatizam a rotina dura na cidade grande e a maneira como o mundo do trabalho afeta as personagens, nem tanto pela dinâmica dos ambientes de emprego, mas pela dimensão simbólica que eles suscitam no dia a dia. Esperança sobrevive da venda de rosas na rua, após ter sido demitida do trabalho, acusada de ser desonesta. Débora quer construir uma creche e conseguir reformar a própria casa. Ruth é uma corretora de imóveis, que deseja se mudar para uma fazenda onde planeja abrir um negócio. Juana é uma acadêmica argentina, que sofre de síndrome do pânico.


No primeiro segmento, há o dilema do desemprego e as decisões cênicas estão ancoradas na dificuldade da personagem em administrar as dívidas diárias: o ambiente doméstico é iluminado por velas (não pagou a conta de energia); ela usa um caderno para anotar os gastos com “empreendimento” e com o “pessoal”. A segunda parte revela o sufocamento dos empréstimos como garantia de planos para o futuro e a aposta na abertura de micronegócios: a aula no Sebrae que ensina o que o mercado precisa, a conversa com a tia que relata o encontro com uma mulher que sentia estar “amarrada no dinheiro”. O terceiro segmento questiona o excesso de trabalho e a falta de tempo para o lazer: deixar o filho ao cuidado dos outros, a vontade de ter uma vida mais calma no campo. No último trecho, há o embate com a vida acadêmica, que também exige produtividade e cumprimento de prazos.


Apesar de manter uma estrutura muito precisa, o filme apela para o didatismo em alguns momentos com o intuito de sublinhar seu posicionamento crítico diante das implicações do capital. O segmento mais frágil é o da professora argentina, que pesquisa o movimento dos sem terra, mas a narrativa não aprofunda o envolvimento da personagem com seu próprio objeto de pesquisa, restringindo suas ações ao espaço doméstico. Outro problema é cair no fácil maniqueísmo de contrapor a vida na cidade – desgastante, opressora e sem felicidade – com a do campo – tranquila, idílica, quase sem conflitos –, como se não existissem modos de vida mais complexos, tanto de um lado quanto de outro.

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