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LAÇOS ENTRE MULHERES

9 jun. 2018

Por Camila Vieira

De frente para a câmera, mulheres fazem leituras de cartas em primeira pessoa. O gesto proposto pelo longa-metragem Um Abraço, na Sororidade (Yours in Sisterhood, 2018) abriga algo que surpreende meu olhar como espectadora: não me recordo de tantos filmes já vistos em que muitas mulheres são filmadas assim, de maneira tão frontal e, em boa parte dos planos, ocupando o centro da imagem. Talvez só me recordo de outro filme recente com um gesto parecido: Precisamos Falar de Assédio, da brasileira Paula Sacchetta, em que mulheres relatam casos pessoais de abuso, cometidos por homens que as violentaram. No filme de Irene Lusztig, o fundo não é o interior de uma van escura, mas espaços abertos. O que é possível ver é uma rua, uma esquina ou a varanda de uma casa. Seriam lugares onde essas mulheres norte-americanas transitam todos os dias? Paisagens em que elas pertencem e que também guardam memórias de outras mulheres que ali já viveram?

O dispositivo de Um Abraço, na Sororidade é bem simples. No tempo presente, mulheres são convocadas a ler cartas escritas por outras mulheres dos anos 1970, que escreveram correspondências para a Ms., considerada a primeira revista popular feminista dos Estados Unidos. As missivas escolhidas jamais foram publicadas – o crédito final explica que apenas uma foi – e tais documentos foram mantidos guardados em uma biblioteca. Lusztig decide filmar nas cidades onde as cartas partiram e escolhe mulheres com perfis próximos daquelas que escreveram. Depois da leitura das cartas, cada mulher partilha suas impressões e compara com o que ela mesma vivencia no contemporâneo.

A sensação que permanece é de que, depois de 40 anos, as situações vividas continuam as mesmas e poucas mudanças aconteceram nas experiências das mulheres na sociedade. Uma delas relata que não é respeitada em seu trabalho no posto de gasolina, outra confessa viver constantes humilhações ao ser abordada na rua, uma latina não se sente representada pelos textos da revista. Se por um lado, a Ms. cumpriu seu papel de abrir algumas pontes de solidariedade entre mulheres e fechar a escuta de outras tantas, o que o filme faz é singular: permitir que cartas jamais publicadas ganhem concretude no presente, que tais narrativas intimas venham finalmente à tona por meio de corpos de outras mulheres que guardam as mesmas marcas, as mesmas dores. A sororidade agora se constitui na relação entre passado e presente.

Enquanto boa parte das mulheres fazem leituras de maneira fluida, é bastante interessante quando algumas falham, tropeçam nas frases, gaguejam. Uma menina de 13 anos não consegue pronunciar uma palavra difícil que talvez parecesse fácil para uma garota de sua mesma idade nos anos 70. A dificuldade da fala não é descartada do filme, tampouco o ruído do avião que passa durante a cena e atrapalha a captação de som. Com uma camisa estampada com os heróis da Marvel, a menina em 2017 confessa que também se sente deslocada tal como a autora da carta, no meio de tantas amigas que só pensam em cuidar da beleza.


Uma das cartas mais emocionantes é de uma mulher negra que faz duras críticas a um texto da revista que constrói representações equivocadas de uma família negra. Ao fazer a leitura no presente com um tom de voz visceral, a senhora não sabia que aquela carta nunca tinha sido publicada. Ela agradece a oportunidade de ter dado voz àquela mulher que tinha sido silenciada e que passava por dificuldades parecidas com a sua naquele mesmo bairro periférico onde ela vive. A direção editorial da revista ignorou os relatos de muitas mulheres – negras, indígenas, trans, entre outras –, que não se sentiam representadas pelas páginas da publicação, com um viés feminista ainda sem abrangência interseccional.


Durante o processo do filme, Irene Lusztig conseguiu encontrar algumas das mulheres autoras das correspondências. Não há palavras para descrever o que sentiu uma mulher lésbica que reencontrou sua própria carta escrita à mão, em 1976, quando tinha apenas 16 anos e relatava sua paixão por outra mulher no Queens. Ou mesmo outra mulher que abandonou a vida na cidade para se estabelecer no campo em uma cabana de madeira, que ela mesma construiu há 40 anos. Histórias individuais permanecem vivas e encontram ressonâncias também em quem assistir ao filme.

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