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Fazer do filme uma balada

Filmes de Leonardo Mouramateus

É fundamental estar em movimento. Então, é preciso ter um corpo. Então, é preciso gesto. Ir à balada nunca foi tão importante. É uma possibilidade de dançar, produzir vibrações, contaminar-se pela música e inventar maneiras singulares de mover-se. Nos filmes de Leonardo Mouramateus, o movimento do corpo na cena vem compor com as passagens que a imagem pode fazer no mundo, com as variações de vida que o cinema pode inventar. Alegrias das vidas na lagoa, alegria de imagens que são colocadas para dançar numa montagem-balada, com Lagoa Remix(2013). Fazer filmes virou uma festa.

Festa que se resolve fazer em casa, em Charizard (2012), filme feito acima de tudo de uma ginga do corpo, em que também a briga torna-se gestualidade pura de seres em encontro. Em Mauro em Caiena (2012), as crianças brincam, uma mulher dança, rosto tomando a tela, ao som de Miss Kittin and the Hacker. E depois o Godzilla também parece dançar. Pois é preciso dizer: são filmes de monstros também, de seres fantásticos, filmes-monstro. O movimento do cinema implica um processo de diferenciação capaz de por em causa as identidades fixas, os lugares dados, as formas bem ordenadas. Fazer filmes tornou-se uma questão política que diz respeito a como ocupar o mundo.

Desordenar, desarranjar. O plano se detém na expressão de um rosto, nas potências de um olhar para a câmera.Estrela Distante (2012) lida com um campo cinematográfico tomado por brincadeiras com fogo. A imagem faísca. Também a intensidade de um rosto toma a tela em Europa (2011), no momento em que Gabriel surpreende e perfura a escritura fílmica com um protesto, insistindo em se fazer visível e audível, como forma de aparência que embaralha lugares e afirma uma potência de exposição. Intervir na pólis com o cinema passa por uma tensão com as vidas que filmamos, com as paisagens que se modificam, com as ordenações que os poderes tentam impor. Nas encenações que Sandio e Victor ensaiam em Lição de Esqui (2013), co-dirigido por Samuel Brasileiro, parece se tratar também de uma busca por experimentar a cidade, com corpos que se abraçam para simular uma briga, com pés que entram aos poucos na lagoa, vacilantes.

Desconforto com a fixidez em um cinema que é atravessado por uma comunidade. Fazer filmes tem a ver com a possibilidade de inventar uma cena do comum, que se abre na pesquisa sobre a família, o entorno, o bairro. O cinema de Leonardo Mouramateus inventa formas cinematográficas que partem de desejos. Ele forja gestos singulares, que dizem respeito à própria experiência no mundo, completamente implicada por toda uma cidade, por vidas que se inventam no estar junto.

Dias em Cuba (2011) é bastante emblemático de um movimento com parceiros no processo de criação. E também era assim na primeira pesquisa do realizador, em Fui à Guerra e não te Chamei (2010), uma investigação que diz muito da criação com os amigos Daniel Pizamiglio e Andréia Pires, na experimentação do acontecimento do plano cinematográfico e da performance. Vontade de cinema e de invenção que contamina a própria cidade, os amigos de Leo e tantos outros amigos que também mergulham na fabricação de filmes. Porque filmar tornou-se uma necessidade, uma urgência de ter com o mundo. Desejo de intervir e de ter lugar com o cinema. Uma versão deste texto foi publicada na edição impressa da Revista Select - Nº 15.

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